quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Lá vem a cidade...


A expansão urbana da cidade contempla sucessões de limites que foram sendo transpostos ao longo dos tempos. Os significados das diferentes formas de delimitação da cidade alteraram-se e carecem de uma investigação aprofundada nos novos contextos da contemporâneidade.
Com essa série que venho trabalhando desde 2010, proponho uma reflexão dos limites, ou sua falta, no que tange a expansão urbana e sua dura relação com a natureza. As imagens foram produzidas no Brasil e no exterior, fazendo com que essa problemática, inclusive formalmente, assuma um caráter global.  
Em toda minha trajetória como fotógrafo a presença dos seres humanos foi um traço característico da minha obra, nessa série, a presença está na ausência…inclusive de responsabilidade!
Ainda chamam de jardim!
Houve um tempo...
Penetra.

Essa série foi a vencedora, ganhando o prêmio de 1º lugar, nos Salões Regionais de Artes Visuais da Bahia 2011, sendo apresentada na cidade de Porto Seguro, do dia 28 de outubro até 11 de dezembro,  numa mostra coletiva com trabalhos de outros  24 artistas, sendo que 19 são oriundos de Salvador e outros 6 do interior do estado.  Os Salões Regionais foram criados pela FUNCEB em 1992, e vem se consolidando como um importante instrumento para difusão da produção artística da Bahia, além de estimular a reflexão sobre temas atuais.

domingo, 11 de setembro de 2011

Faces

Depois que finalizei o projeto com os índios da comunidade Pankararé, que vivem no sertão brasileiro, me voltei para os povos das águas. Desde 2007, venho documentando pescadores, marisqueiras, agricultores, mestiços, brancos e negros, e nesse envolvimento com as comunidades ribeirinhas, cheguei aos quilombolas da Barra e do Bananal, duas pequenas comunidades de negros, descendentes de escravos que fugiram de um navio negreiro naufragado na costa sul da Bahia, e que vivem desde o século XVII às margens do Rio Brumado, no município de Rio de Contas, na Chapada Diamantina, no Estado da Bahia.
É importante saber que existem classificadas 724 comunidades remanescentes de quilombos no país, totalizando mais de 2 milhões de pessoas, distribuídas em 30,6 milhões de hectares de terras. Terras que não necessariamente lhes pertencem, apesar da ocupação secular. E como as comunidades não possuem certificados de propriedade, ficam à margem, não podendo, por exemplo, pedir empréstimo em banco para plantar. 
Desde 1998, o governo vem conferindo a essas comunidades títulos que atestem a descendência de antigos quilombos e passando, para as mãos dos atuais moradores, as terras em definitivo. Até agora, 18 comunidades (Barra e Bananal são duas destas) receberam seus títulos, faltando 706.
Meu envolvimento com essas comunidades sempre foi o de um documentarista. Fotografo suas danças, seu trabalho, seu lazer e as demais facetas da vida. Ao ser contratado pela Secretaria de Promoção da Igualdade do Estado da Bahia (Sepromi), que me solicitou imagens que revelassem a ligação das atuais comunidades quilombolas com sua cultura ancestral, foi que percebi como a ancestralidade está diluída em maneirismos, costumes e até mesmo com outra religião da que era seguida por seus antecessores.
Foi bastante curioso estar em um lugar, entre pessoas que eu já havia fotografado, procurando entender, através de outro olhar, aspectos relevantes da cultura ancestral que resistiram a séculos de violências.
"Nossos pais contavam histórias de sofrimento, da época da escravidão. Mas, não queríamos ouvir as coisas dos mais velhos porque achávamos que era caduquice. Aí eles morreram, e a gente, que não soube aproveitar, perdeu isso para sempre”. Nas palavras de Dona Claudina Silva, 91 anos, uma das moradoras mais antiga da comunidade, o testamento de um povo.
Diante desse quadro de quase apagamento da memória, a solução foi buscar na simplicidade do retrato a essência de toda a ancestralidade distante. Eu já havia feito alguns retratos da comunidade, e mantínhamos uma relação de respeito e carinho, o que contribuiu, e muito, para uma maior entrega durante a sessão das fotos que estão aqui expostas.
Montamos um pequeno estúdio na casa de Dona Joanita, mulher sorridente, moradora do Bananal e entusiasta do projeto. Usamos um pano preto ao fundo, o qual descontextualizou as pessoas, criando-lhes a sensação de desaparecimento de si mesmas, fazendo assim, uma alusão a distante ancestralidade.
Foram dois dias de trabalho. No começo as pessoas resistiram, mas depois de verem as fotos umas das outras, a emoção tomou conta do pequeno espaço que dividíamos com os móveis da sala. A tensão inicial deu lugar a risos e a deliciosos comentários sobre as suas faces.
Apresentado os primeiros resultados, algumas pessoas se surpreenderam com a própria imagem, o que me leva a crer que elas não se olham ou não se veem. Uma senhora negra de olhos claros, já tinha ouvido falar da cor dos seus olhos, mas não tinha certeza de como eles são. Neste momento, decidi colocar de lado a Pentax 6x7 que usaria e lancei mão de um equipamento digital. A cumplicidade, que conseguimos estabelecer, mais que justifica essa decisão. As pessoas fizeram fila para serem fotografadas.
Com uma identidade cultural bastante rarefeita, o que resta da própria ancestralidade desse povo é a força das suas faces.  Os retratos aqui apresentados seguem uma estrutura de trabalho que sugere uma metáfora de um povo e sua cultura, que tendem a desaparecer, ou se reinventarem, só restando uma memória distante.














O Projeto Faces foi selecionado pelo Photo España 2011 para participar da exposição coletiva PESO y LEVEDAD, que reuniu o olhar de 15 fotógrafos latino americanos no Instituto Cervantes em Madrid, de junho a setembro. Em seguida,  a mostra itinerante será apresentada nas principais sedes do Instituto Cervantes pelo mundo.

Acessem os links: 



Matéria publicada no jornal A Tarde de Salvador/BA
                                                         

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Quilombolas

Filhos de uma diáspora, os negros vieram para o Brasil na condição mais humilhante a que um ser humano pode ser submentido: Como escravo! Na luta para sobreviverem com dignidade, formaram os quilombos! As comunidades quilombolas contemporâneas, são remanescentes desses quilombos, aquelas repúblicas de homens e mulheres livres, formadas por escravos que fugiram do cativeiro e partiram para lutar por uma vida com liberdade.
Estudar, registrar e divulgar essa resistência é fundamental para nós, brasileiros. Poucos são os povos do mundo que tem nas suas origens uma diversidade como a nossa, e nesse nosso país mestiço, a raiz africana é quem dá o tom.
(Baseado no livro Quilombolas - Tradições e Cultura da Resistência.)

"Os povos africanos e seus descendentes eram detentores de uma forte cultura espacial, fato facilmente reconhecido pelas localizações de difícil acesso escolhidas para implantação dos quilombos. 
A organização territorial do quilombo dependia da localização geográfica estratégica, em regiões de topografia acidentada, como chapadas, serras, ou vales florestados e férteis com sistema de vigilância nas áreas altas." ( Extraído do livro Quilombolas - Tradições e Cultura da Resistência.)




Conta-se na região, que no século XVII, quando um navio negreiro naufragou no litoral sul da Bahia, onde hoje é conhecido como Itacaré, os africanos que sobreviveram fugiram para costa e continuaram rio acima em busca de segurança. O rio em questão é o rio de Contas, que nasce na chapada diamantina e deságua em Itacaré. Ao se sentirem seguros, se estabeleceram às margens do rio Brumando, afluente do rio de contas, cultivando a terra e caçando. Com a chegada dos bandeirantes na região em busca de ouro, o paulista Sebastião Raposo Tavares, re-escravizou os africanos obrigando-os  a trabalharem no garimpo e construírem uma vila a 1500m de altitude, que hoje é o distrito de Mato Grosso.


Quilombo Barra do Brumado





Quilombo Barra do Brumado






Quilombo Barra do Brumado






Quilombo Bananal





Quilombo Bananal





Praça principal do Quilombola Barra do Brumado, com Igreja ao fundo






O artesanato dos povos quilombolas no país se caracterizam pelo traçado da palha, modelagem do barro, manuseio de pedras, madeiras e metais. No entando, essa herança africana, nos quilombolas de Barra e Bananal, sucumbiu ao bordado e ao chochê, ambos de origem européia.




A comunidade trabalha a terra precariamente conseguido apenas a subsistência. - Quilombola Barra do Brumado.





Cozinha de uma cassa quilombola, já com equipamentos modernos 





Atividade comunitária - Comunidade da Barra




Pescaria ao amanhecer no rio Brumado. Quilombola Bananal






Morador da Barra


Moradores do Bananal


Morador da Barra


As irmãs Coló e Dudu, as mais velhas do quilombola Barra do Brumado


Seu Pedro com seu indefectível pandeiro


A dança do Bendengó, onde as pessoas, aos pares, brincando ao ritmo da música circulam uma atrás da outra como numa roda, de repente, a da frente se vira e bate com as mãos nas mãos da parceira, e gritam o Bendengó!



Apesar da pouca preservação da memória ancestral, as comunidades de Barra e Bananal, ainda conseguem preservar a dança do Bendengó.


A Dança do Bendengó - Quilombola Bananal
A Dança do Bendengó - Quilombola Bananal
A Dança do Bendengó - Quilombola Bananal
A Dança do Bendengó - Quilombola Bananal
Samba de roda - Quilombola Bananal


A casa de farinha é o local onde se transforma a mandioca em farinha, ingrediente usado na fabricação de vários alimentos, entre os quais o beiju.


A comunidade de Barra ainda mantém a casa de farinha com a moenda comunitária, um dos poucos traços da distante ancestralidade que ainda perdura nessa comunidade.




"A casa de farinha, onde a mandioca é processada, permanece viva nos quilombos, sendo o símbolo de um caminhar junto, o exemplo de que tanto o dia a dia quanto o futuro da comunidade sempre se basearão na sobrevivência desse espaço."( Extraído do livro Quilombolas - Tradições e Cultura da Resistência.)




Depois da colheita da raiz (tubérculo), a mandioca é levada direto da roça para a casa de farinha, onde é descascada e colocada na água para amolecer e fermentar ou pubar







Em seguida, é triturada ou ralada em pilão ou no ralador ou caititu. A mandioca ralada vai caindo em um cocho.


A massa moída é ensacada


massa sendo levada para prensa







A massa é prensada no tipiti (tipi = espremer e ti = líquido, na língua tupi) para retirar um líquido venenoso chamado manipueira (ácido cianídrico).




Nos processos da decantação, do ser lavada, da prensa, e no escaldar no forno, é retirada a manipueira, (manipuera) - líquido venenoso, onde está o ácido cianídrico. Mani - menina indígena e puera - ruim: manipueira é a parte ruim de Mani; no Pará é transformada em tucupi, espécie de molho muito apreciado na cozinha amazônica como o famoso pato no tucupi (GASPAR, 2009).




Uma vez extraído o líquido, a massa de mandioca vai ao forno para ser mexida e torrada. É exatamente essa relação do mexer, o tempo de torragem e a temperatura do forno, que determina a qualidade da farinha.

Forno da casa de farinha comunitária











Saindo do forno a farinha é peneirada


Finalmente a farinha é ensacada e está pronta para o consumo